07 junho, 2018

Exercício e câncer: todo paciente pode treinar?



Enquanto perdemos tempo em debates relativos aos possíveis antagonismos entre a teoria (Ciência) e a prática (experiência no atendimento), profissionais mal intencionados ludibriam seus pacientes com condutas recheadas de pseudociência. Para reverter este quadro, que parece se alastrar no meio da saúde, é preciso compreender que a Ciência nada mais é que o resultado da aplicação controlada destas experiências, com o propósito de tornar seus resultados confiáveis e reprodutíveis ou simplesmente refuta-los.

Neste sentido, no texto passado (“Exercício e câncer: teoria ou prática?”) abordei a relevância prática da estatística e dos pacientes de uma pesquisa cientifica na escolha de intervenções clínicas. Outro conceito que deve ser contraposto se relaciona a abrangência dos resultados e que pode ser expresso pela seguinte frase: “os resultados das pesquisas sobre exercício físico (EF) e câncer (CA) foram obtidos por uma ínfima parcela da população com CA que é capaz de treinar. Duvido que a maioria dos pacientes seja capaz de realizar o que estes estudos propõem”.

Desde a década de 90, pesquisadores vêm investigando as interações entre o EF e CA. Como resultado, temos agora um corpo robusto de evidências que corroboram os benefícios terapêuticos da pratica sistemática e regular do EF em inúmeros tipos de CA. Destaco aqui os que possuem um maior número de artigos publicados, tanto em homens quanto em mulheres: próstata, mama, traqueia, brônquio e pulmão, cólon e reto, estômago, cavidade oral, esôfago, bexiga, laringe, leucemias, tireoide, colo e corpo do útero e ovário. Estes, quando somados, equivalem a aproximadamente 75% da incidência prevista para 2018 de CA na população brasileira (INCA).

Entretanto, mesmo quando olhamos para esta relação positiva (estudos/tipos de CA), ainda podem restar dúvidas sobre a viabilidade do EF em pessoas com CA que se encontram em condições de maior fragilidade. Para isso, cito o resultado de duas revisões recém-publicadas que analisaram a aplicação do EF em pacientes idosos e em estágios avançados de CA: além da constatação que estas populações são capazes de treinar, também foram encontradas melhoras significativas na funcionalidade, composição corporal, fadiga, qualidade de vida, distúrbios do sono e função psicossocial, com uma baixa ocorrência de eventos adversos. Desta forma, comprova-se a efetividade do EF no manejo de sintomas debilitantes frequentemente associados aos últimos estágios da doença e em idade mais avançadas.

É claro que para toda regra há exceções. O EF pode não ser recomendado para uma determinada pessoa. E é por isso que, independentemente do tipo e do estágio de CA e da senilidade do paciente, é importante que exista uma rigorosa avaliação prévia, de preferência multidisciplinar, capaz de identificar possíveis comorbidades associadas, neuropatias, complicações musculoesqueléticas e condições cardíacas, a fim de libera-lo à pratica esportiva e adequar a intensidade, volume e o modo do EF.

Mais uma vez, fica claro que não é possível acreditar e difundir que a Ciência reflete situações específicas sem valor de aplicação prática. Condutas devem ser baseadas em evidências cientificas. E viva a Ciência!

Para saber mais:
  • ·     Stout, Nicole L., et al. "A systematic review of exercise systematic reviews in the cancer literature (2005-2017)." PM&R 9.9 (2017): S347-S384.
  • ·     Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2018: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2017.
  • ·     Heywood, Reginald, Alexandra L. McCarthy, and Tina L. Skinner. "Efficacy of exercise interventions in patients with advanced cancer: A systematic review." Archives of physical medicine and rehabilitation (2018).
  • ·     Loh, Kah Poh, et al. "Exercise for managing cancer-and treatment-related side effects in older adults." Journal of geriatric oncology (2018).

Até a próxima...
Rodrigo Ferraz

Texto original publicado na Coluna Paciente em Forma no Portal Oncoguia.

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