17 junho, 2016

Como proteger seu coração da toxicidade cardiovascular induzida pelo tratamento


Recentes avanços no tratamento do câncer elevaram notadamente à sobrevida do paciente. No entanto, os agentes com ação anticâncer, incluindo os quimioterápicos, antiangiogênicos, anticorpos monoclonais (Mabs) e inibidores da tirosina-cinase, estão associados à toxicidade vascular, mediada principalmente pelos seus efeitos deletérios nas células endoteliais. O endotélio vascular é a camada mais interna da parede do vaso e atua como a principal barreira entre o sangue e o espaço intersticial - exerce papel central na homeostase e na função da circulação arterial e venosa. Através da síntese e liberação de moléculas multifuncionais, o endotélio modula a atividade das células dos músculos lisos subjacentes, controlando assim o tônus vascular e a proliferação de células, também regula a ativação de plaquetas em circulação, trombose e inflamação. Desta forma, uma disfunção vascular pode acarretar em danos cardíacos e em outros efeitos secundários, tais como hipertensão, lesão miocárdica, hemorragia intersticial, isquemia do miocárdio, vasoespasmo coronário e trombose microvascular e dos vasos grandes.

Veja a lista abaixo com as funções e os efeitos deletérios cardiovasculares dos principais agentes usados na terapêutica anticâncer:

  • Antraciclinas – além dos efeitos dose-dependentes desta classe de antibióticos na indução de apoptose e necrose em cardiomiócitos – células musculares que compões o músculo cardíaco -, o dano ao miocárdio induzido pela Doxorrubicina pode ser em parte, mediado pela lesão endotelial de seus vasos sanguíneos. 
  • Bleomicida - medicamento com função de destruir o citoesqueleto celular. Inibe a proliferação e migração das células endoteliais promovendo apoptose, possivelmente através de mecanismos mediados por radicais livres.
  • Alcaloides de Vinca - são drogas desestabilizadoras que agem nos microtúbulos - estruturas celulares que ajudam a movimentação dos cromossomos durante a mitose -, induzindo a morte celular via apoptose. O tratamento com Vinblastina tem sido associado ao desenvolvimento de hipertensão e ao fenômeno de Raynaud – exagero na resposta fisiológica às temperaturas frias. 
  • 5-fluorouracil (5-FU) - é um antimetabólito – interfere na produção de DNA e consequentemente na divisão celular, sendo utilizado de forma combinada em numerosos regimes terapêuticos anticâncer. A administração de 5-FU está associada a um risco relativamente elevado de danos cardiovasculares. A manifestação clínica mais comum de sua toxicidade é a isquemia miocárdica. 
  • Taxanos – possuem ação similar aos alcaloides de vinca. Além disso, estas drogas exercem efeitos antiangiogênicos – inibe ou reduz a formação de novos vasos sanguíneos, mediado por várias ações diretas sobre as células endoteliais, as quais podem ocorrer em concentrações baixas da droga. Uma série de mecanismos têm sido indicados para justificar os seus efeitos antivasculares, incluindo a interrupção da adesão e migração de células endoteliais, bloqueio de vias de sinalização, tais como o Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) e proteínas de choque térmico, com a ativação diminuída da NO-sintase endotelial (eNOS).
  • Compostos de platina – são agentes alquilantes – adicionam um grupo alquila ao DNA, alterando ou evitando a duplicação celular – que exercem vários efeitos vasculotóxicos. Em células endoteliais, o tratamento com Cisplatina promoveu diminuição de sua sobrevivência e indução de apoptose. Estudos mostram uma alta taxa de eventos cardiovasculares (22%) após um ano do início da quimioterapia, com taxa de mortalidade em 4%. Infelizmente, as consequências da lesão vascular parecem ser parcialmente irreversíveis.
  • Inibibidores da tirosina-cinase - as tirosina-cinases (TKs) são uma família de enzimas que controlam a ativação de vias de sinalização que regulam o crescimento celular, diferenciação, migração e a apoptose. Ao mesmo tempo, as TKs exercem funções fisiológicas e homeostáticas fundamentais na vasculatura normal e mediam cascatas de sinalização do VEGF e os receptores do Fator de Crescimento Derivado de Plaquetas (PDGF), colocando assim a preocupação na potencial toxicidade vascular direta de seus inibidores (ITKs). O desenvolvimento da hipertensão tem sido identificado como um efeito comum do uso de ITKs. Estudos futuros são necessários para identificar as vias vasculares endoteliais específicas que elevam estas respostas hipertensivas.
  • Terapia alvo: proteína HER2 – A super expressão de HER2 ocorre em até 25% dos tumores malignos de mama e está associada à forma mais agressiva da doença, com pior prognóstico. O uso do Trastuzumabe – um anticorpo monoclonal humanizado do HER2 que se liga com alta afinidade ao sítio extracelular da proteína HER2 – no tratamento do câncer de mama HRE2-positivo tem sido efetivo em reverter esta agressividade. Entretanto, efeitos adversos cardiovasculares estão associados ao seu uso; o declínio da função sistólica ventricular esquerda tem uma incidência de 20%. Uma das possíveis explicações é que a inibição do receptor de HER2 pode levar a uma diminuição da atividade de vias de proteção celular, acarretando em aumento de apoptose no miocárdio.

O exercício aeróbico, praticado de maneira sistemática e regular, está associado a inúmeros efeitos benéficos ao endotélio e na redução de fatores de riscos cardiovasculares, modulando mecanismos de lesão vascular associados a terapias antineoplásicas, reduzindo assim a sua toxicidade cardiovascular. Ensaios clínicos randomizados realizados em pacientes com câncer comprovam a sua eficácia; tanto em mulheres com câncer de mama quanto para crianças com leucemia houve melhoras significantes na função endotelial após 12 semanas de treinamento aeróbico durante a quimioterapia, quando comparados aos grupos que não treinaram. Para ver resultados de mais estudos sobre este assunto, leia o nosso texto “Efeitos do exercício na cardiopatia induzida pelo tratamento

Cabeçalho do artigo citado no parágrafo abaixo.

Em revisão publicada neste ano, seus autores postulam alguns mecanismos que podem estar ligados a estas respostas pelo qual o exercício afeta a função vascular; o principal mecanismo aventado se dá através do aumento na tensão de cisalhamento provocado pela força exercida do fluxo sanguíneo na parede do vaso. As células endoteliais possuem mecanorreceptores altamente especializados que transformam este estímulo físico em sinais bioquímicos que, por sua vez, estimulam vias de sinalização celulares que atuam positivamente na função vascular. (Campia, U. et al, 2016)

Cabeçalho do artigo citado no parágrafo abaixo.

A repercussão destes fatos em longo prazo pode ser vista em um recém-publicado estudo que acompanhou, durante 9 anos, 3 mil mulheres que realizaram tratamento para câncer de mama não metastático. A incidência de eventos cardiovasculares durante este período diminuiu de forma inversa a quantidade de tempo de exercício realizado, ou seja, quanto mais o indivíduo treinou, menor foi a chance de se ter uma intercorrência cardiovascular. As mulheres que atingiram os volumes recomendados pelo Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) para pacientes sobreviventes de câncer – 75min semanais, ou três sessões de 30min por semana – reduziram em até 23% o risco de eventos cardiovasculares quando comparadas às que não atingiram tais volumes de exercício. Ver tabela abaixo. (Jones, et al. 2016

Tabela com a incidência de intercorrências cardiovasculares de acordo com a quantidade de exercício realizado na semana - em METs (equivalente metabólico). (Jones. et al, 2016) Clique na imagem para ampliá-la.

Fica claro que os efeitos deletérios do tratamento nos componentes cardiovasculares são inúmeros e não podem ser negligenciados, nem por parte do paciente e nem pelos profissionais de saúde que o acompanham e que a atividade física é uma ferramenta altamente eficaz em atenua-los, influenciando positivamente a qualidade de vida e longevidade do paciente.

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Até a próxima...

Rodrigo Ferraz

Para saber mais:

Campia, Umberto, and Ana Barac. "Exercise and Aerobic Fitness to Reduce Cancer-Related Cardiovascular Toxicity." Current treatment options in cardiovascular medicine 18.7 (2016): 1-15.

Jones, Lee W., et al. "Exercise and Risk of Cardiovascular Events in Women With Nonmetastatic Breast Cancer." Journal of Clinical Oncology (2016): JCO656603.

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